quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Wig

Ela lembrava-se de Machado: "A necessidade os tornou suportáveis, o tempo os tornou mutuamente precisos." Eram pequeninos. Não digo jovens, porque jovem é quem quiser ser jovem. Eram mesmo pequenos, como crianças. Lembro-me das besteiras que falavam e de como elas não pareciam nem um pouco absurdas, para eles, como parecem hoje. Naquele dia, você lembra? Ele brigou com ela porque ela disse que ele tinha que cantar e porque ela deu um murrinho na sua barriga. Foi a maneira mais automática de expressar o carinho, mas eu acho que ela o machucou. Foi engraçado. Depois das músicas, fizeram quase uma maratona por aquele corredor que passava pelos pássaros e riram muito. Ela até esqueceu que estava de salto, e ele teve que esperar que ela ajeitasse as sandálias e reclamasse dos machucados, depois da corrida. Ele tinha aquele olhar de proteção, por ela. Enquanto ela sentava na escada, ajeitando as sandálias, ele foi buscar água, e nunca parava de falar. Isso foi muito antes de descobrirem que compartilhavam o silêncio melhor que as palavras. Ele quis ajudá-la a levantar, mas ela puxou a mão bruscamente. Ele entendeu o recado. Entendeu, mas nunca foi sinônimo de conformismo. Hoje, ela vive os sonhos que tinham naquelas manhãs fatigantes, diz que não se esqueceu daquele português perfeito e das três palavras que eles tinham. Pergunto-lhe sempre quais eram as palavras, mas ela se nega a me dizer. A única coisa que ela fala é: "ele foi como um algodão doce cor-de-rosa, mas eu vi que só gosto dos branquinhos."
Já faz tanto tempo, e eu sinto como se fosse ontem, aquela noite em que seus olhos se encontraram, bem na frente de todos nós. Eu os amava tanto, queria ser a madrinha dos seus filhos. Ela, ao me escutar as lamúrias, só me diz: "Ah, querida, você ainda não sabe? A vida é uma doceria."
E esses eram os únicos momentos em que a sua loucura não parecia tão grande quanto a do Quincas Borba que ela sempre citava: "As batatas, querida, as batatas."
E um dia, ela também virou uma nuvem de algodão doce. Eu a sinto quando chove. Ele também a sente.