sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Sineste(o)sia

Já diz o povo que os olhos são as janelas da alma. Pelos olhos, nossa alma vive espiando, procurando amigos, coisas divertidas, amores e a beleza. De vez em quando, ela encontra coisas tão extraordinárias, que as janelas, de tanta alegria, se fecham, espremidas em um sorriso. E é tão difícil tirar os nossos olhos daquilo que nos dá paz, não é?
Mas acima de tudo isso, acima do que faz cintilar e multicolorir nossas íris, as nossas janelas estão sempre abertas para procurar a única coisa que pode dar-lhes o brilho eterno, que é tão grande que pode ser dividido com todo o resto do corpo: o estrondoso amor de Deus. Estrondoso porque é o mais lindo som que os nossos olhos escutam, o abraço que pula a janela e envolve a nossa alma, o gosto infinito, como de estrelas, e o melhor cheiro de paz do Universo inteiro.
E um dia, quando enfim fecharmos os olhos para esta vida, nossas janelas manter-se-ão escancaradas para a eternidade, e aí será a nossa vez de pular para os Seus braços.

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Lindo, Senhor! Tudo o que o Senhor faz é muito lindo! Obrigada por poder senti-Lo de muito mais que cinco maneiras. 'Todo o meu ser, com tudo o que sou, sempre Te adorarei'!

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Better Endings

Sabe o que é muito chato? Você chegar no colégio e os professores dizerem que agora é que você precisa começar a estudar, porque a prova de física no vestibular vai ser de torar o cano. Outra coisa muito porre? Você ter que escutar o stress de todo mundo, torcendo pra esse negócio não ser contagioso e não pegar em você, porque quando pega, pega feio mesmo. Pois bem, em meio a este frenesi vestibuleiro, eu tento lembrar-me sempre do que mamãe diz: "você pode escolher o que faz com o que os outros lhe dizem". Esta semana, resolvi dar-lhe ouvidos, e, junto com minhas quatro horas de estudo (já estou reduzindo-as), saí com meus amigos todos os dias. Acabamos de chegar da formatura dos nossos ex-coleguinhas, eu e Talita, estamos com os pés doendo, vimos um cover de Xuxa, divertimo-nos muito, encontrei o platonismo, sem querer, e temos exatamente três horas para descansar, para as nossas aulas de revisão amanhã. Subimos as escadas do prédio com vestidos de festa, sandálias altas na mão, eu com os óculos e uma apostila; ela com um fichário. All in all, é só uma semana, e outra divertidíssima. Você acha que estas linhas são antitéticas? Well, este ano foi uma antítese. Eu nunca imaginei tantas semanas divertidas, mas parece que o melhor sempre fica para o final. Como era aquela história? O último biscoito do pacote.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

On Cloud Nine

Quando eu crescer, penso em muitas coisas. Quero morar em um apartamento não muito grande, mas que tenha espaço para uma biblioteca e um piano, que eu vou aprender a tocar. Quero ser advogada ou professora e falar cinco línguas fluentemente, mas com um sotaque bem brasileiro. Quero ser uma mulher virtuosa, como aquela de Provérbios 31, e nunca deixar de ir para a igreja ou fazer as coisas do Senhor. Quero aprender com os meus erros, e me tornar uma pessoa madura, mas não quero perder essa vontade pueril de sair dançando, cantando e gritando, por aí. Quero, assim como agora, correr para o mar, na primeira oportunidade, e viajar para Brejo sempre que puder (quero que os meus filhotinhos conheçam as origens do meu pai). Quero aprender a sabedoria da minha mãe, a tranqüilidade de vovó e fazer um curso de leitura dinâmica. Quero ter muitos sonhos, até quando eu estiver bem velhinha, e lutar sempre por eles. Quero aprender umas três frases em árabe, para conversar com as minhas amigas, que eu também quero ter para sempre.
Quando eu crescer, não quero deixar de brincar de pega-pega, esconde-esconde, forca, adedonha nem máfia. Quero ser sempre aquela que diz: "Vamos brincar?" porque a vida sem brincadeiras não tem graça, e eu quero que a minha seja sempre um gracejo, apesar dos problemas.
Quando eu for bem grande, vou escrever um livro, em papel reciclado. Vou continuar pulando em cima dos meus amigos, quando os encontrar, mesmo que isso implique em uma blusa melada de refrigerante. Vou continuar saindo com mainha, pelo menos uma vez na semana, e não vou adquirir o costume horroroso de trabalhar ou estudar aos domingos.
Eu não vou mudar o mundo, mas pretendo fazer um pedacinho, mesmo sabendo que é só como aquele passarinho que levava as gotinhas de água no bico, para apagar o incêndio.
Quando eu crescer, quero ser ainda mais idealista, ainda mais sonhadora, ainda mais quimérica, porque eu acredito que os nossos sonhos podem mudar alguma coisa, se não no mundo, pelo menos em nós mesmos. Mas, ainda mais, quando eu crescer, eu quero ter os pés no chão. Será que eu cresço o suficiente, para que eles o alcancem? Não sei. Talvez ninguém precise do chão. Não quando está na cloud nine.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Bem-olhar

Li uma página muito curiosa, na internet, sobre as últimas frases de pessoas famosas antes de morrer. A mais breve foi a de John Locke: "Basta!" Breve e forte, não? Há umas tragicômicas, como a de um rei da Prússia, cujo nome não me recordo, que pedia que lhe enterrassem junto com os seus cachorros. Outro rei, de quem também não lembro o nome (sou terrível com nomes), disse apenas: "É só isso, a morte?"
Adam $mith viveu pela sua teoria até o último suspiro: "Liberdade até a morte". Será que ele tinha alguma esperança de ir pro céu?!
É muito engraçado que, com um conjunto ou apenas uma palavra, as pessoas consigam expressar o que foi a vida, para elas. Há os otimistas, que crêem na eternidade, e nem se incomodam muito com a morte; há os outros otimistas, que são gratos, viveram bem, e há os que agradecem o fim do martírio. Quando terminei de ler a todos (é uma lista imensa), fiquei pensando em quão poderosos somos, em relação à visão que construímos da vida, que pode ser uma música ou uma senzala, só dependendo dos nossos próprios pensamentos. É preciso olhar bem para a vida, ter um bem-olhar por ela, porque este olhar pode torná-la ainda mais fascinante. A última passagem que eu vi foi de uma poeta que disse: "Abram a janela! Eu quero ver o mar". O comentário do autor era de que a pobre mulher estava delirando. Eu deliro todos os dias.
Sir Horatio Nelson, que lutou em Trafalgar, terminou sua emblemática existência com os seguintes dizeres: "Cumpri o meu dever, agradeço a Deus." Eu também quero chegar ao fim dos meus dias e olhar para o meu Criador com mãos e consciência limpas. Quero poder dizer-lhe que cumpri os seus mandamentos e dei-lhe cada respirar da minha vida. É tudo o que eu mais quero e é tudo o que eu consigo pensar, ao considerar a morte. Ou talvez eu simplesmente dê um pulo de alegria. Se a vida já é tão boa, já imaginou como será a eternidade?

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Riponga

O grande Oswaldo canta: "É preciso paz, pra poder sorrir". Hoje, mais que em qualquer outro momento da minha pequenina vida, eu o sei. Há decisões muito difíceis de se tomar. É um trabalho indescritivelmente árduo decidir mudar os planos que pareciam tão certos, ou esquecer quem não deve ser lembrado, ainda que seja aquele amigão do peito, que você achava que tinha. É chato, embora aliviante, dizer o que as pessoas, às vezes, precisam ouvir (ou o que você precisa dizer). É um exercício nada prazeroso, que mais parece aqueles push-ups que os instrutores obrigam você a fazer na academia. Difícil e chato, mas o único jeito de conseguir paz. Não aquelas gargalhadas escandalosas e falsas, não o desprezo do passado só para contemplar o presente (mesmo que ele, graças a Deus, seja cada vez melhor), não, nada disso: a mera sensação de paz.
É impossível senti-la depois de uma decepção, mas inevitável não tê-la, depois de colocar as cartas na mesa e explicitar nossas decepções, nossas angústias, nosso desprezo, enfim, o real sentimento. E, depois de aliviada a bagagem da nossa alma, olhar para um querido amigo e cantar: "É preciso paz" (abrindo, sem perceber, o maior dos sorrisos, daqueles que vêm do seu interior, quase saltitando), para, depois de um abraço, escutar o outro pedaço da música: "pra poder sorrir", vindo dos lábios de quem se ama, ao som da voz de quem se ama, porque o amor é o que a gente descobre onde menos espera. Mais lindo, precioso, guardado e em paz.
Então, não é tão difícil entender o Peace and Love dos hippies, não é mesmo? Tem tudo a ver. Tudo a ver mesmo.

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"Não é você quem vai me dar na primavera as flores lindas que eu sonhei no meu verão."
(Flávio José)
Afinal de contas, o verão começa agora!

sábado, 15 de novembro de 2008

(o dia da minha formatura)

É. Entre parêntesis. Eu aprendi que quando se quer fazer uma observação sobre alguma coisa ou um complemento, deve-se usar os parêntesis. O dia da minha formatura foi, talvez, a mais linda das observações, embora seja um simples símbolo da nossa conquista.

Quando eu e Vitoca estávamos indo para o colégio, ele vinha ansioso pela festa, eu pelo simulado. Meu cérebro ainda não tinha recebido completamente a informação de que era ontem. Já tinha chegado o dia. Só fui me dar conta, na verdade, quando saí do salão com aquela franjinha cheia de fixador e a maquilagem (bastante incomum, para mim). Vim para casa, coloquei o vestido vermelho. Quando vesti-o, ao olhar-me no espelho, lembrei-me de tantas coisas: dos meus amigos preciosos, dos momentos de risada com os meus professores, da tensão (que ainda não acabou), lembrei-me de que eu já passei de ano, porque completei minhas notas ontem, e, junto com uma pequena lágrima, veio o pensamento: "Já está tudo acabando". Eu que pensei que não choraria mais. Depois, vieram-me à memória umas bobagens, mas por esse tempo, mainha já estava na porta me chamando para sair.
Fomos para a festa, vovó e mainha estavam deslumbrantes. Às vezes as pessoas escondem sua real beleza, ou talvez a vida passe tão rápido que a gente não para pra ver como a nossa família é linda. Adonildo, eu e Juliana não caímos da escada, nem ficamos muito nervosos. Dançamos a valsa (1,2,3;1,2,3, lembra?), eu e painho, eu e vovô, eu e Itamarzinho. Eu, Luanna, Luzanna, Amanda, Talita e Carol nos divertimos muito. Larissa ficou grande e Alinny, graças a Deus, não subiu na mesa.
De pancadão a forró, passando por um rock 60's e axé, dançamos de tudo. Meus pés estão doendo até agora. Falando em forró, era a única coisa que painho estava esperando, para começar a dançar. Está no nosso sangue, compreendi mais ainda ontem. Luiz Gonzaga, Petrucio Amorim, Flávio José, Alceu Valença... Forró nunca é demais!
Fiquei o máximo que pude. Sou fraquíssima, depois de meia-noite. Não fui feita para noitadas, definitivamente. Às quatro e meia, quando cheguei em casa, vi os ensaios de bolhas nos meus pés. Puras marcas de felicidade. Simples e puros sinais de alegria. Tomei um banho, dois copos de leite e dormi até meio-dia.

Expectativas superadas, foi a melhor festa de formatura de todas! Além disso, deu-me a certeza de que virão mais parêntesis bons. Muitos.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Édipo

Minha mãe, e eu já o disse incontáveis vezes, é uma criatura muito forte. Na fila de distribuição da força, ela era, sem dúvidas, uma das primeiras. Deus foi muito gracioso com ela. Papai também é um lutador exemplar, nessa vida que Gonçalves Dias chama combate. Embora eu adore exaltar-lhes as características (sou uma filha muito babona), hoje eu só quero falar da alegria que encheu o meu coração quando painho chegou de viagem.
Meus amigos estão cansados de saber o quanto meu daddy-dude viaja. Tem vez que me perguntam e eu nem sei onde ele está. Vim descobrir que Oman era um país quando ele chegou em casa dizendo que sua próxima viagem seria para esse mini-lugar no Oriente Médio.
Como ele sempre viaja, estou mais ou menos acostumada à sua ausência temporária, mas, descobri, esse ano mais que nunca, que não consigo me acostumar aos fins-de-semana sem ele. Embora minha mãe seja a mais divertida das criaturas, ela é ainda melhor com ele. Painho conta as melhores histórias, tem as opiniões mais contrárias e conhece de tudo. Ele sempre faz os problemas parecerem mais simples do que são.
Quando ouvi as batidas na porta, segunda-feira, deixei tudo o que estava fazendo, só para correr, pendurar-me a ele e dizer: "daddy-dude!" Eu não queria mais soltá-lo. É nesses momentos que ainda me sinto uma criança, um pintinho na selva, um baby-humano. Quando o abracei, lembrei-me do poema de Lya Luft, aquele em que ela fala do retrato que ela via, seu e de seu pai. Do mesmo jeito, eu também, olhando aqui para o meu porta-retrato que tem uma foto de 1996, penso: "parece que ela nunca vai mudar".
Logo eu, esta metamorfose?!

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"Viver é lutar
A vida é combate
Que aos fracos abate
E aos fortes, os bravos,
Só pode exaltar."
(Gonçalves Dias)

sábado, 8 de novembro de 2008

A Princesa e o seu Rei (Beth Moore)

[Texto de Beth Moore, que eu recebi há quase um ano e sempre quis traduzir. Vai aí o meu pequeno ensaio, com muitos erros. A história é muito linda, though]


Era uma vez uma princesinha que ficou muito brava com o seu pai, o rei. Ela tinha muitos servos, então não precisava se preocupar muito com as suas coisas. "Já sei o que vou fazer", ela disse a si mesma, "vou dar uma lição em todo mundo. Vou fugir de casa e deixar meu quarto bagunçado desse jeito". Ela foi atrás dos costureiros reais e pediu-lhes roupas comuns, jogando no chão tudo o que ela não queria. "Agora, onde está minha roupa?", ela resmungou. Ela se vestiu como uma menina comum e medíocre. Ela deslizou bem quietinha pela porta secreta. Ela sabia que o seu pai, o rei, não notaria a sua ausência por muitas horas, porque ele tinha uma reunião importante no escritório do embaixador.
Rapidamente, ela encontrou um grupo de crianças jogando stickball em uma ruazinha estreita. Ela pensou: "eles se divertem muito mais que eu. Estou cansada de ser uma princesa. Quero ser como eles." Eles a chamaram para brincar e ela foi. Em um instante, ela aprendeu a sua maneira divertida de brincar. Ela dava cotoveladas em qualquer pessoa que se intrometesse no seu caminho, igualzinho a eles. Ela reclamava muito quando perdia a bola, igual a eles. E quando ela caía, caía estrategicamente na lama, igual a eles.
De repente, uma menininha que todos eles pareciam conhecer apareceu na esquina, quase sem ar: "Corram! Alguma coisa muito grande está acontecendo na Rua Principal!" Os bastões caíram e todas as crianças correram. A princesa estava até orgulhosa de si mesma, porque ela também podia correr, igual a eles. Entretanto, ela achava que era hora de comer. Ainda bem que até uma princesa pode correr com a barriga roncando. Eles chegaram em uma multidão que exclamava "ohs" e "ahs", diante do que viam. As crianças tentaram fazer seu caminho, mas aquelas pessoas, muito bem vestidas diziam: "saiam daqui, crianças danadas!".
A princesa, enfurecida, disse: "eu não sou uma criança danada! Eu sou uma princesa... Ou," ela continuou, "pelo menos eu era. Agora eu vou ser igual a eles."
Então ela deu uma cotovelada na mulher e garantiu que suas saias ficassem cheias de lama. "Não adianta", disse um menino, "não vamos conseguir chegar na frente. Vamos subir na árvore." Eles subiram na árvore como uma dúzia de macacos. A princesa se reafirmou: "Eu posso subir essa árvore. Eu sou igual a eles."
Quando ela estava subindo no segundo galho, ela se desequilibrou e caiu. Os adultos ficaram olhando para ela, e as crianças gritaram: "Sobe logo, lá vem!"
Ela nem sabia o que era, nem se importava nesse momento. Ela queria chorar, mas não ousaria. Eles não chorariam, e ela era igualzinha a eles. Em vez disso, ela reclamou. Finalmente, ela conseguiu subir num galho mais largo e perguntou: "o que é que vocês estão olhando?" Os outros disseram: "É o rei, sua idiota! Você não conhece um rei quando vê um?"
Ela foi mais pra frente e viu todos aqueles dignatários em frente à limosine. A porta se abriu e lá estava ele. Tão grande, tão digno, tão real.
"Longa vida ao rei", o povo gritava. De repente, todos estavam curvados, apenas ele de pé. Um dos meninos disse: "nós temos o melhor ângulo. Vamos jogar nossas bolinhas no rosto dele". O terror tomou conta do coração da princesinha: "Vocês não podem fazer isso!" "E por que não?" "Porque ele é o rei!" "E daí?", eles retrucaram, e começaram a jogar.
"Parem! É o meu pai". As lágrimas que ela havia segurado antes jorraram como uma fonte.
"Claro, como o nosso pai é Abraão.", eles zombaram.
"É sério, ele é o meu pai"
E eles riram com mais força ainda.
"Olhe pra você", eles disseram, "você é igual a nós, você nem tem um pai."
Ela viu o seu pai limpar algo do seu rosto. Ele olhou para a árvore, vendo as crianças que gritavam com ele. Uma vergonha indescritível tomou conta dela. Ela tinha certeza que ele a vira, mas talvez ele não a tivesse reconhecido.
Ela pulou da árvore e começou a correr para o palácio, enquanto as crianças jogavam bolinhas nela. A caminhada parecia durar para sempre. De repente, ela percebeu que estava toda suja e sangrando e começou a chorar ainda mais, se sentindo muito pequena. Quando ela chegou ao palácio, viu que a porta secreta estava fechada. Do mesmo modo, todas as outras portas. "Ah não! Aqui não é mais a minha casa e não tem mais nenhum lugar para ir."
Apenas a porta da frente sobrara, mas ela não poderia usá-la. Todo mundo veria. E olhe para ela, ela é igual aos outros. Então ela esperou e esperou, tentando achar outra solução. Finalmente, já muito cansada, inchada e machucada, ela foi para a porta da frente, com suas roupas arruinadas e sua face suja cheia de lágrimas. Ela ainda parou um minuto, tentando pensar em qualquer outra maneira, mas não havia nenhuma.
Ela levantou a mãozinha e bateu na porta, só uma vez, morrendo de vergonha. Antes que ela pudesse reunir toda a sua coragem para bater mais uma vez, a porta se abriu. Enquanto sua cabeça estava baixa, de tanta vergonha, ela só via os seus pés. Era o seu pai, o rei. Ela chorou muito: "Desculpa, papai. Olha o que eu fiz. Que vergonha." Ele se abaixou e disse: "venha aqui, minha princesa." "Não, papai. Eu não sou uma princesa. Eu sou igual a eles."
"Oh, minha pequena. Você pode ter agido como eles, mas você não é um deles. Você é minha. Mas, filha, você nunca será completamente feliz até você aceitar tanto o privilégio quanto a responsabilidade de pertencer a mim."
Naquela noite, ele a levou para a cama e cuidou de suas feridas, lavou suas roupas. Ele a ajudou a limpar o quarto e se sentir, mais uma vez, como uma princesa. Ele a beijou, desejou boa noite. Enquanto saia do quarto, sua roupa dourada e brilhante estava cheia de sujeira, por tê-la limpado. Os olhos dela, mais uma vez cheios de lágrimas: "Nunca mais. Olhe o que eu fiz com as roupas do rei."
Ele, sentindo seu coração quebrado, disse: "Sim, minha filha, haverá outras vezes. Mas eu abrirei a porta todas as vezes que você bater, e amá-la-ei de novo e de novo, até o fim."

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

1,2,3: Cherrypick!

1,2,3/1,2,3/1,2,3...


Primeiro, chegou tudo tão rápido que a gente nem estava esperando. Ninguém se preparou para os ensaios de lágrimas, nem pra saudade, nem pra tantos abraços. De repente, missa, aula da saudade, culto, festa. Pés doendo, cabelos desajeitados ao fim de tudo, e ainda, tanto riso. É tudo tão especialmente bonito, porque é sobre nós, e também tão compassado que mais parece uma valsa. Não, uma valsinha.


Escrever muito estragaria os melhores conjuntos de três tempos de todos.





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[Não, obrigada. Chega de maçãs envenenadas, agora eu só quero cerejas. Cherrypick!]

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

FullHeartly

Li, há umas duas semanas, O Quinze, de Rachel de Queiroz. Como o livro não era meu, tive que copiar minhas partes preferidas, e deu um trabalho medonho: eu quase copiava o livro inteiro. Não consigo achar o papel, agora, mas lembro-me de uma parte em que a personagem principal, falando com usa avó, diz: "não sei amar com a metade do coração". A identificação que eu tive com esse trechinho, que parece tanto com aqueles versos clichês dos trovadores, é indizível. Mainha sempre teve uma história de "preto no branco" e, embora eu nunca tenha sido tão prática assim, sempre fui muito decidida com os meus sentimentos. Dizem que, quando a gente ama muito uma pessoa, o sentimento é incontrolável. Para mim, os sentimentos sempre foram muito mais racionais, sempre os vi como algo a se construir ou destruir, por completo. Aí vem a minha identificação com a personagem: nunca consegui construir meio prédio de sentimento, nem demolir só um pedaço deles. Também não acredito numa "sucessão secundária": um terreno com escombros é um terreno que eu nunca mais usarei (não, eu não tenho medo da palavra 'nunca', sei quando usá-la).
Quando gosto de alguém, quando quero bem a um amigo, quando admiro uma pessoa, faço-o de todo o meu coração, não meço esforços. Quando, todavia, os sentimentos são destruídos pelas circunstâncias da vida, pelos maus comportamentos ou pela simples mudança de ideais que acontece o tempo todo na minha mente, eu desgosto. Quando uma pessoa é movida para a categoria dos desgostos, c'est ça. Também não sei desgostar com a metade do coração.
A mesma mainha de "preto no branco" às vezes fica impressionada com a minha frieza ante aos sentimentos. Ela diz que eu pareço muito com painho, nesse ponto. (Será?)
Pensando bem na minha vida, eu não sofro muito. Numa balança, pelo menos ultimamente, minhas risadas têm vencido a tristeza de WO. Faz tempo que ela nem aparece. Todavia, quando sofro (que é a coisa mais natural da vida), percebi que é pelas circunstâncias, pelos fatos, e, tão raro quanto democracia em Cuba, pelos sentimentos.

domingo, 2 de novembro de 2008

Só Pessoa mesmo

"Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor."
(Fernando Pessoa)

Sempre gostei muito desse poema de Fernando Pessoa, aquele do mar salgado, que todo mundo lê quando se fala das grandes navegações. Quando tive uma rápida discussão com meu amigo Segundo sobre a poesia de Pessoa, em que ele falava do poema do comboio de corda, eu lhe disse da minha menina dos olhos, esse poema mais batido de todos. Ele retrucou, simplesmente: "É claro, Maria Helena."
Hoje, eu peguei o meu livro de poesias e lá estava o tal poema. O Bojador era um cabo onde havia muitas tempestades, e que dificilmente era ultrapassado pelas navegações. O Bojador era o limite, era o desafio. Do mesmo jeito que para que os navegadores o passassem era necessário lidar com a dor da separação de suas famílias, para que consigamos conquistar nossos objetivos, precisamos lidar com os problemas.
Para ser mais metafórica, com o passar do tempo e das ondas, vamos aprendendo a estabilizar o barco. Quando vem uma onda muito grande, às vezes vira e a gente começa tudo outra vez. Tudo bem. Quanto mais recomeçamos, mais fortes ficamos (faz até Nietszche parecer otimista, essa paráfrase), mais resistentes às ondas menores, que nem balançam mais o navio.
Sabe o que é curioso? Nós temos o poder de aumentar o tamanho das ondas. Às vezes, supervalorizamos um problema ou uma pessoa. Para manter meu barco estável, lembro-me sempre de Machado de Assis, quando diz que nem todos os problemas valem cinco minutos de atenção. Nem todas as pessoas também, eu digo.
Job Fonseca, meu professor de biologia, disse uma vez, repetindo de alguma música: "Tem muita estrela pra pouca constelação". Tem muita gente que se acha demais, pra pouco espaço de prestígio. Para voltar às ondas, eu diria, também, que tem muita onda, pra pouco mar.
É quando o seu barco está nos melhores dias, na maior calmaria e você sente toda a paz do mundo, que alguém metido a onda vem tentar lhe prejudicar, lhe atrapalhar, virar o seu barco. Mas essas ondinhas tão ínfimas não conseguem ver a coisa mais linda, que você vê lá de cima do barco: o seu Bojador. Elas são também tão pequenininhas que não sabem que o seu barco não vira enquanto tiver o Timoneiro. Essas ondinhas vêm na intenção de que você as aumente, que as dê importância, sem saber que você nem consegue olhá-las, de tão insignificantes que são. Sem saber que não fazem mais o mínimo sacolejar no seu barco. Sem saber que quem lhe protege, noite e dia, é o Deus que, como diria Pessoa, espelhou o céu no mar.
A paz de Deus, que excede todo entendimento, também quebra as ondas no meio, ou em três. O importante é que quebra.

[Se fosse Sandro, a única coisa que ele ia dizer era: 'Mulher, chuta que é macumba!']