terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Unformsprings

Eu fico no meu canto
e não me exponho
embora ponha a alma
na janela.

Eu fico de vigília
e não me espanto
mas cuido de observar e
às vezes
canto.

(Marina Colasanti)

Esta e a única pergunta a que eu vou responder: "Por que você não faz um FormSpring?"

Nunca entendi muito bem o orgulho de algumas pessoas ao dizer: "Minha vida é um livro aberto." Não bastasse a declaração boba, a nova ferramenta da internet, o tal do FormSpring chega especialmente para quem, não conseguindo contar sua história, permite que os outros façam um Control+F e vão direto à informação desejada. Além disso, os inquisitores não precisam se identificar. Eu me pergunto: viraram pura informação, as vidas?
Sempre tive pena ao abrir, nas esperas intermináveis dos salões de beleza (é, eu não sigo bem o conselho de Zeca Baleiro, quem sempre ouço), as revistas de fofoca e ver aquelas fotos tiradas pelos paparazzi ou as perguntas inconvenientes feitas aos famosos. Penso que vida pressupõe liberdade e ter que dar satisfações sempre e a todos parece um tipo de prisão. Mas agora parece que todo mundo precisa muito aparecer, tornar públicos os detalhes da sua vida, que todo mundo quer ser estrela. Aqui eu me lembro do que disse um querido professor que eu já mencionei antes: "Tem muita estrela pra pouca constelação."
Nunca tive muito problema em ser clara sobre o que pensa a minha mente e luto para sempre transparecer os meus reais sentimentos, mas não fere, de maneira alguma, a integridade de alguém, guardar para si os seus sonhos, conquistas, as palavras, histórias e momentos que lhe marcaram.
A vida que eu ganho de presente todos os dias é um livro fechado que eu abro para pouquíssimos, e há páginas - bastantes - que só eu e Deus lemos. Não quero virar novela. Nenhuma plenitude é escancarada.

sábado, 23 de janeiro de 2010

As-tu trouvé ton papillon?

"Il faut bien que je supporte deux ou trois chenilles si je veux connaître les papillons. Il paraît que c'est tellement beau."
(La fleur du Petit Prince)

Disse o apóstolo na citação que incomoda e perturba muita gente: "Em tudo, dai graças." Para quem recebeu da mãe e do pai, até aprender, muitas observações quando esquecia de agradecer, dizer "obrigado" é muito normal. Quando recebemos um presente, quando alguém faz um favor, quando cruzamos os dedos pedindo alguma coisa e acontece, quando oramos muito e o pedido é atendido, ou nas coisas mais banais, quando nos abrem a porta do carro ou nos dão preferência em uma fila, sempre agradecemos. A Deus, aos nossos queridos ou a um completo estranho.
Um coração grato se junta à saúde e à tranquilidade interior no começo da lista de bens terrenos mais preciosos.
Difícil de entender é como agradecer pela adversidade. Paulo instrui: agradeça sempre, agradeça o tempo todo. Gosto de ler suas cartas porque nelas encontro a visão grande de que Deus controla tudo e nos ama, ao mesmo tempo. Quando ele diz que sabemos que todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus, é como se quisesse dizer: mesmo que nem sempre pareça bem, sempre está bem. Deus sabe. Existe, então, uma lógica - ainda que Deus não possa se resumir à nossa razão tão insana - devemos agradecer porque Deus cuida de nós. Deus é o nosso Paizinho e, como os pais por vezes deixam os filhos errarem, é como se Deus fizesse o mesmo. [Diz García Márquez que talvez Deus queira que conheçamos muita gente errada para que, quando, enfim, conheçamos a certa, saibamos estar agradecidos. Vale para as outras coisas da vida.] Ou talvez como se Ele simplesmente nos deixasse livres.
Seja uma coisa ou outra ou uma coisa e outra, importa confiar que Deus sabe o que faz com as nossas vidas, ou porque permite que certas coisas aconteçam. Todos os pedaços de vida são importantes, e há tempo para tudo. Deve-se agradecer pelos lagartos, porque depois vêm as borboletas. E então é preciso agradecer por elas.

sábado, 9 de janeiro de 2010

As almas também se entendem

Every single human being, even the most euphorical one, has got some beliefs that are unquestionable. Those things that have grown inside them as their bodies and souls grew and might change, but may not change. Those things which are natural and clear.
I've got a bunch of them. About faith, family, drugs, law, morals, and so on. Today, however, all of that seems too heavy to me, whereas marriage sounds as light as a sheet. Talking about it, I mean - the real thing must be a little thicker.
Well, what's clear to me about marriage is that it is something God has prepared for almost everyone and that it is something good. I have reflected about passion and I'd go along with Lewis when he says it's the explosion for marriage, if it has developed into love. In this life full of ups and downs, a truthful and strong love that resists the storms is the only thing worth marrying for.
The Bible says, so beautifully, that "love is patient, love is kind, it does not envy, it does not boast, it is not proud. It is not rude, it is not self-seeking, it is not easily angered, it keeps no record of wrongs. Love does not delight in evil but rejoices with the truth. It always protects, always trusts, always hopes, always perseveres."
Plus, it is clear to me, as clear as the clearest thing, that sex is something saved for marriage and that one must wait. I clearly will. One of the first verses I ever memorised said that there is a time for everything.
Last, but very far from least, I guess marriage should last. And last. And last, even when you don't like each other or in the middle of trouble, 'cause you love each other, and though your love may seem endable, the love God puts in your hearts is infinite. That is, to me, absolutely clear.
Love, the one which trusts, waits and cares, is probably the best and rarest thing to find. Keep your eyes open.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Ciclar

Maria era uma mulher comum. Veja-se o indício do que quero dizer pelo seu próprio nome, que é o mais ordinário. Como há muitos Severinos, também há muitas Marias. É nome de santa, de cidade, de loja, nome da mãe, da prima, das tias. Mas esta Maria tinha uma história esquisita. Nascera em uma cidade em que a lei proibia nomes iguais. Sua mãe queria por-lhe o nome da santa, mas não podia – havia uma senhora, já quase morta, que se chamava Maria. Portanto, Maria ficou sem nome até a morte da velha, quando a menina já tinha uns sete anos de idade. Ao contrário de quem começa a escrever aprendendo o próprio nome, Maria escrevia o da velha, isso às escondidas, em um quartinho nos fundos que tinha três grades e dois ferrolhos na porta, para que ninguém denunciasse sua mãe.

Quando ouviram dizer que a velha morria, a cidade inteira se vestiu de preto, menos a mãe de Maria, que colocou a roupa mais branca que tinha compôs uma canção que entoava aos vinte ventos e dizia:

- Hoje nasceu, nasceu Maria.

Quando o padre escutou o canto, tratou de enviar a mulher para o hospício da cidade vizinha e contou, até o dia em que ao invés do altar ocupava o caixão, a história da doida que dizia que nascera quem morria, fazendo, sem saber, piada do que ele pregava nas enfadonhas celebrações de todos os domingos.

Antes de morrer, contudo, celebrou o casamento de Maria, que se casou com João. Aprendendo a crença materna, queria mesmo era casar-se com um José, mas o único que conhecia já não podia lhe dar filhos, porque era o seu próprio avô. Não tendo jeito, casou-se com João, a quem apelidara de Zé. Não compreendia por que perto dele seu coração acelerava, seu corpo esquentava, sua mente descansava e menos ainda entendia a vontade insana de querer estar perto dele o tempo todo. Maria, tendo encontrado o maior dos amores, não sabia o que era o amor – ninguém lhe contara. Tiveram dois filhos e nenhuma filha. Três netas e nenhum neto.

Mesmo depois de quarenta anos de casados, riam juntos todos os dias, às vezes só do vento. Houve dias em que suas gargalhadas foram tão estrondosas que os vizinhos correram à sua casa intentando separar uma briga, só para chegar lá e rir também.

Uma das netas de Maria, estando grávida, disse-lhe, numa sexta-feira quente do verão eterno, que achava bonito o nome de João e que queria colocá-lo no seu filho. Na mesma noite, quando estavam na cama abraçados, Maria sentiu parar de bater o coração que complementava o seu. Como que movido por uma engrenagem, o seu também foi desacelerando, e ela só conseguia pensar:

- Neta desgraçada!

Nasceram um novo João e uma nova Maria, e nunca mais houve verão nem riso. Mas houve vida, o que, no fim das contas, importa mais.