quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Ele e o mundo tinham um acordo, desde tempos imemoráveis: nenhum se meteria na vida do outro. Cuidou sempre de si próprio, dos seus planos, da sua família, da sua expressão séria, que precisava cultivar para espantar qualquer pedaço de mundo que com ele quisesse manter contato. E funcionava, quase todos os dias. Uma vez, não deu certo, e ele se casou com a mulher que lhe deu um pouco de vida. Mas o tempo, por si só, apaga a vida. É preciso muito esforço e um pouco de boa vontade para continuar vivendo, porque a metamorfose contínua da existência descarta quem para e mata quem acelera muito. A boa vontade deve ser comedida e contínua: é essa a receita. Fora disso, queima. Na rotina inalterável que compunha seus dias, havia pouquíssimo lugar para sentimentos. Se ele pensasse, imagino que diria: 'amor, esse luxo'. Como se o amor fosse um chocolate belga, ou um Chanel nº5, ou qualquer desses supérfluos lindos, mas supérfluos. Quando seus filhos, ainda muito pequenos, lhe estendiam as mãos para um abraço, recebiam aquele olhar de confiança, mas nunca um toque, jamais um cafuné, de maneira alguma um carinho. Aliás, tudo isso parecia meio herético, porque uma promessa era uma promessa, e ele, homem de palavra, cumpria sempre as suas: ele e o mundo não se falavam.
As pessoas dizem que quase nunca sabemos o que nos é mais essencial, porque geralmente é aquilo que de tão comum ignoramos. Ele, olhando para o céu um dia, soube que morreria. Apenas soube. O Sol se pondo era um prelúdio do seu próprio fim, era isso o que o seu corpo anunciava, com todas as forças. E ele não deveria ligar, afinal, o mundo, a ele, de nada servia. Mas o fato é que se importou. Chamou sua mulher às pressas e abraçou-a. Agarrou-a como nunca antes fizera e não queria soltá-la. A senhora, assustada e pensando que o marido já enlouquecia pela idade, perguntou-lhe: 'que há de errado?' Ele, contudo, não tinha mais palavras. Quando se morre, as palavras partem primeiro e deixam o corpo e a alma. E segurava-se a ela, não a deixava, porque, no fim das contas, ele, pobre homem, punha todas as suas forças para manter-se vivo. O mundo, entretanto, muito mais orgulhoso, manteve o trato e quedou-se inerte. E então aconteceu.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Ma foi, oui!

Oui, j'y crois. À l'amour, à la vie, à la beauté. 'Pauvre romantique', tu me diras. Et moi, toujours riche, je te dirai: 'quelle belle pauvreté, celle dont on est heureux'. Mais tu, avec ton réalisme, tu ne l'as jamais cru. Dites-moi, quelle est l'avantage d'une vie si grise?

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

meowmeow

To H., my brother in Christ

Dear,
From the first time I saw you, I knew there was something shiny about yourself. At first, I thought maybe it could be all your jokes and stories, but then I understood that behind your easygoing ways, was God's light. I was 15 when we first worked together, but I can still remember those days so clearly. You always told me what a blessing it was to know God and have the opportunity to serve him from our youth and you always encouraged me to carry on doing it.
Once, when we were heading to Camalaú, you asked me: how old are you? and I told you I was 16. I can't tell you how your face went funny with surprise. I loved your plans to come live in João Pessoa and go out preaching the gospel in Brazil. You even looked into Portuguese classes, didn't you? And tried to dye your eyes brown, so you would look like us.
Suddenly, I heard about the cancer, the getting better, the getting worse, the getting really worse and finally it.
Death is such a time for reflection, but yours, while makes me miss you a lot, gives me peace. I have seen you work as much as possible for God. I have truly seen a life that is worth living. And I look up to you on that.
I know you can't read this anymore, but I'm also pretty sure I've told you enough times how I loved you.
Thank you for being such an example, for the godly advice and for leaving your mark in my life.
When I remember you, I think of what Jesus said: 'Tonight, they will demand your soul. And what you have prepared, who is it for?'
I will miss you immensely but I will see you again.
Rejoice, dear.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Plástica Reconstrutora: Risco Zero e Resultado Garantido

A pedido de, e para vovó Laurita, que é um lindo modelo de alma.

Vivemos dias curiosos. Pergunto às minhas amigas de cabelos cacheados, e elas me dizem que adorariam ter cabelos lisos. Pergunto às de cabelos escorridos, e elas suspiram: "é, um cachinho não faria mal." Conheço quem tenha colocado silicone para seios mais volumosos e quem tenha passado a vida juntando dinheiro para fazer uma cirurgia de redução de mama. Devemos concordar todos que os avanços da medicina são maravilhosos. Imagine uma pessoa com câncer que precisou remover um pedaço do corpo e tem a chance de fazer um implante, ou alguém que sofreu um acidente e pode ter seu rosto reconstruído. Mas eu desafio você a me apresentar uma pessoa no mundo que não saiba de uma história triste: de alguém que, na mesa de cirurgia em busca da vaidade, perdeu a vida; de alguém que teve sequelas gravíssimas das intervenções, ou simplesmente de resultados não atingidos. É claro que são falhas médicas, e os médicos, seres humanos que são, estão sujeitos ao erro (nada demais nisso), portanto, quem faz uma plástica se sujeita a alguns perigos.
Fato é que a maioria das plásticas são desnecessárias. Há alguns anos, porém, lendo um livro antigo guardado na minha estante, descobri uma operação de que todos os seres humanos precisam, isto é, que é fundamental à vida, mas que pouquíssimas pessoas têm oportunidade de fazer (só há um médico no mundo qualificado para o procedimento). Aliás, das que têm a chance, menos ainda têm coragem, embora a cirurgia não apresente quaisquer riscos de vida. Para que você se familiarize, eis o que acontece. Primeiramente, dá-se uma anestesia geral no corpo, para que o paciente se sinta tranquilo, em paz. Em seguida, faz-se um corte no abdômen e uma sucção de todos os dejetos que aí se encontrarem: da maldade, da ansiedade, do medo, e dá-se uma injeção de alegria. A próxima etapa é a mais delicada: abre-se o coração e coloca-se, dentro dele, amor e bondade. Há, ainda, implantes de silicone, em locais a ser escolhidos pelo paciente, de perseverança, fé e mansidão. Por fim, o médico instala um tipo de chip no paciente, de modo que Ele faz morada em seu coração. Ao fim da operação, tem-se não só uma pessoa renovada, mas uma nova pessoa. Além disso, tem-se a certeza da vida eterna.
Ainda mais incrível é que o preço da cirurgia, embora seja muito mais alto que qualquer um de nós possa pagar, já foi quitado na cruz. Nós podemos tê-la de graça, apenas marcando uma consulta.
O problema é que muita gente, depois do primeiro procedimento, deixa de fazer retornos ao Médico e revisões, e aí põe-se tudo a perder. Mas não tem problema: a operação pode ser refeita a qualquer instante.
Antes de tentar consertar seu corpo, preocupe-se com a sua alma. Ela é, de fato, você.

"Você não tem uma alma. Você é uma alma. Você tem um corpo." (C.S. Lewis)
"Enganosa é a graça e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor, essa será louvada." (Pv. 31:30)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

The Mind's Rubber

Era apenas uma linha, um fio muito tênue riscado sobre uma mesa de madeira. E ainda assim, meus neurônios transformavam a realidade com tamanha velocidade que as sinapses se confundiam num misto de sofrimento e alívio. Nas primeiras horas do dia, a linha me parecia um borrão de lápis de olho, que sobrou da noite anterior, quando saímos, eu e todas as minhas fantasias, a vagar por aí. Mas, com o passar do tempo - que nem mesmo do risco se compadece - o traço preto foi-se parecendo mais com um grito de socorro. Parecia-se o início de uma letra A, que não pode ser terminada porque quem a escrevia foi arrastado violentamente e só conseguiu deixar aquele risco. O desespero. O desespero que não me vem na língua materna, nem no inglês tão familiar. O grito que, quando se parava para olhar com calma, rasgava como granizo: Aide-moi! E a tristeza que me assolava, ao ver, às três da tarde, a lágrima impressionista que formava aquele traço no pedaço de madeira que tinha a cor da minha pele. As pequenas gotas d'água que saíam da minha alma pelos meus olhos se intensificaram e se transformaram em soluços violentos e falta de ar. Lá pelas sete, percebi que ou deixava o teatro tão horrível que pode ser o choro, ou morria. Foi quando, não sei se já consciente do possível fim ou apenas pela perspectiva diferente, vi no traço um elástico, que poderia muito bem estar segurando o nariz de um palhaço, prendendo o cabelo de uma menininha linda ou servindo de brinquedo para mim. Então pus-me a imaginar trezentas utilidades para o elástico, algumas das quais me divertiram muito e, de repente, peguei-me dando gargalhadas sozinha. A este ponto, já eram dez da noite, e o sono, que sempre bateu à minha porta cedo, já empurrava minhas pálpebras para baixo e abria a minha boca em um bocejo horroroso. Antes de deitar-me, porém, percebi, como Vieira em seus estalos, que o risco preto era, na verdade, cinza. Com uma borracha vagabunda, apaguei-o da minha mesa em dois segundos. As memórias, porém, apagam-se aleatoriamente. Enquanto esta, tão boba, me persegue, há outras importantes que não me vêm nunca. Se eu tivesse a borracha da mente, emprestaria a você, ou talvez não, porque você é tudo o que viveu, e eu não suportaria que você deixasse de simplesmente ser.