quarta-feira, 30 de março de 2011

Pontos, contrapontos, contracontrapontos e vírgulas.

Um dia desses, conversava com Danilo, um de meus colegas de sala, metido como eu a escrever - só que ele, muito mais arriscado, faz poesia - quando nos vimos num impasse. Eu que, como se pode notar de minha escrita, procuro ter opiniões moderadas, mas quase nunca consigo, fui correndo me assegurar de que eu e ele ficamos bem - concordando em parte e discordando em parte. A resposta foi que sim, claro que tudo bem, porque, como dizia uma frase que ele lera no mesmo dia, é conversar com quem discorda da gente que enriquece. Verdade pura. Acredito que o aprendizado - não só das técnicas, mas acima de tudo da vida - vem com a inquietação. E a inquietação vem com o contraponto razoável. É pensando no que de diferente pensa o outro que a minha visão de mundo pode se alargar, e - quem sabe - minhas opiniões podem mudar. Não quero dizer ser a metamorfose ambulante de Raul Seixas, porque, embora poeticamente linda, implica muita volatilidade para uma vida só, e o meu espírito, que tem várias convicções inegociáveis, não é preparado para isso. O que quero dizer é o resto da música: não ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Principalmente, "sobre o que eu nem sei" ou sobre o que eu penso que sei. É na dialética - em aceitar a crítica e a visão alheia - que podemos aprender, martelar nossa cabeça para um lado e para o outro, e opinar considerando e conhecendo o outro lado. Esses são, certamente, os argumentos mais bonitos e fortes.
Como meu amigo, quero aprender a valorizar, cada vez mais, quem pensa diferente de mim.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Chamava-se Francisca. Só Francisca. Mas não precisava das especificações severinas - era a única Francisca da região. Aliás, se vamos falar de como via as coisas, ela era a única Francisca do mundo inteiro. As cores, para ela, não significavam nada. Onde alguns viam vários tons e ficavam maravilhados, ela via traços pretos e brancos. Para ela era simples: amarelo, azul claro e cor-de-rosa queriam sempre dizer branco; verde, marrom e cinza significavam preto. Francisca era mulher macho, nordestina sofrida das secas e vinda num pau-de-arara para São Paulo, onde trabalhou três anos fazendo tapiocas, mas ao ouvir dizer da primeira gota de chuva, veio com o eu-lírico da volta da asa branca para sua casinha, nesse interior de ninguém. A Francisca não incomodava o sofrimento. Desde o seu nascimento, soube que a vida era mais que isso e que, como sua mãe lhe dizia, quem tem o que comer e vestir só não é feliz se não quiser. Foi à escola durante algum tempo, mesmo depois de adulta, sem que nunca tenha conseguido fazer aquele desenho da barriguinha com uma perninha, que diziam ser a letra "a". Desistiu de aprender, porque tinha certeza que aquele povo de nada sabia. Imagine só, a primeira letra do alfabeto ser uma bolotinha! Ah, não! Disso Francisca não queria saber. Ela pensava, isso há muito tempo, que se aprendesse a ler e escrever conseguiria trazer a chuva para o sertão. Não que se importasse com a plantação, ela, uma pobre coitada que não tinha nem onde cair morta, mas porque quando estava em São Paulo e chovia, ela via as pessoas pararem na rua e olharem para cima, para um traço preto no céu, e ficarem maravilhadas. Raciocinou, portanto, que se conseguisse fazer chover em Riachinho, veria o tão famoso arco-íris, porque as cores, pensava ela, só apareciam às pessoas quando elas voltavam pra casa. Um dia, depois de já muito velha e tendo desistido de ler, da chuva e do arco-íris, num daqueles anos de seca forte, Francisca fechou os olhos, sentada na cadeira de balanço do terraço. Escutou o barulho de seus netinhos brincando, e de seu interior surgiu um riso de contentamento. Seus pequenininhos pareciam as gotinhas de chuva que ela tanto queria que caíssem, mas que sempre falharam. Quando abriu os olhos, viu. O céu ainda estava aberto, mas ela podia vê-las caindo de uma só nuvem: gotas coloridas, aos milhares.

sexta-feira, 18 de março de 2011

"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

(Copiado do Cinco Solas)

terça-feira, 15 de março de 2011

A mudança que eu quero s/ver?

Somos uma geração de grandes críticos. Na verdade, nosso jeito ranzinza de ser é muitas vezes a nossa conexão com o mundo. Um exemplo são as conversas de elevador. Se vamos ao segundo ou ao terceiro andar, tudo bem, nem falamos com as outras pessoas, mas quando seguimos a andares mais altos e o silêncio se torna pesado – é muito difícil compartilhar a quietude com estranhos – logo descobrimos que os outros são tão descontentes quanto nós. O calor é grande, a política é nojenta, a desigualdade social é tremenda. Reclamamos o tempo todo. De fato, trivialidades à parte, o mau exemplo que nos lançam as elites políticas do nosso país é às vezes não apenas assustador, mas sobretudo triste. Contudo, cruzar os braços em caras e bocas de grandes críticos da vida também não compõe uma boa vitrine. Passar pelo mundo flutuando sobre opiniões fortes a respeito de tudo parece relativamente fácil, não concordam? Difícil é tentar colocar os pés, ou um dos pés, no chão, enfrentar a realidade – dura e linda como ela é – e agir. Que mania temos nós, eu e meus colegas estudantes de Direito do CCJ, de falar mal dos professores faltosos e da ausência de informações, e como nos falta a coragem de agir, porque já prevemos a grande burocracia, a impossibilidade de tudo. Deixamos de tentar, muitas vezes, porque fazemos caso não só do passado, mas somos envolvidos pela crítica que se projeta ao futuro.

E precisamos falar. É imprescindível que nos lembremos constantemente de que talvez a vida seja menos fácil que comemorar ter passado no vestibular. Mas temos que fazer também. Há dois discursos que me enojam de uma maneira que eu talvez não consiga dizer em palavras. O primeiro é o do extremista que vê erro em tudo dos outros e julga suas opiniões e sua concepção de mundo infalíveis e portanto não consegue ouvir o outro, muito menos respeitá-lo. O segundo é o do típico político brasileiro (e como formamos tantos todos os dias!), que vê o erro mas não tem coragem de enfrentá-lo, porque é melhor conversar ou deixar pra lá. Esse, com uma vozinha mansa e um tom de superioridade, diz que tudo se resolve sem afrontar o professor, pra gente não se prejudicar, e que, se você pensar bem, melhor mesmo é nem ter aula, que a gente pode vagabundar como bem entende. Que nunca me peçam votos, os desta última estirpe, porque para mim são as crias dos piores crápulas que temos visto na política brasileira.

O desafio, portanto, parece-me ser este: agir (com certeza), mas ter os pés firmes e os olhos bem abertos, tanto para ver a muitas vezes dura realidade, quanto para tentar, de alguma maneira, mudá-la. Por fim, ainda mais difícil parece-me ter os ouvidos fechados às insistentes vozes que dizem que nada muda, e a vida é assim mesmo. Absolutamente. Tudo muda. Se não muda para melhor, piora - pode acreditar.