domingo, 2 de novembro de 2008

Só Pessoa mesmo

"Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor."
(Fernando Pessoa)

Sempre gostei muito desse poema de Fernando Pessoa, aquele do mar salgado, que todo mundo lê quando se fala das grandes navegações. Quando tive uma rápida discussão com meu amigo Segundo sobre a poesia de Pessoa, em que ele falava do poema do comboio de corda, eu lhe disse da minha menina dos olhos, esse poema mais batido de todos. Ele retrucou, simplesmente: "É claro, Maria Helena."
Hoje, eu peguei o meu livro de poesias e lá estava o tal poema. O Bojador era um cabo onde havia muitas tempestades, e que dificilmente era ultrapassado pelas navegações. O Bojador era o limite, era o desafio. Do mesmo jeito que para que os navegadores o passassem era necessário lidar com a dor da separação de suas famílias, para que consigamos conquistar nossos objetivos, precisamos lidar com os problemas.
Para ser mais metafórica, com o passar do tempo e das ondas, vamos aprendendo a estabilizar o barco. Quando vem uma onda muito grande, às vezes vira e a gente começa tudo outra vez. Tudo bem. Quanto mais recomeçamos, mais fortes ficamos (faz até Nietszche parecer otimista, essa paráfrase), mais resistentes às ondas menores, que nem balançam mais o navio.
Sabe o que é curioso? Nós temos o poder de aumentar o tamanho das ondas. Às vezes, supervalorizamos um problema ou uma pessoa. Para manter meu barco estável, lembro-me sempre de Machado de Assis, quando diz que nem todos os problemas valem cinco minutos de atenção. Nem todas as pessoas também, eu digo.
Job Fonseca, meu professor de biologia, disse uma vez, repetindo de alguma música: "Tem muita estrela pra pouca constelação". Tem muita gente que se acha demais, pra pouco espaço de prestígio. Para voltar às ondas, eu diria, também, que tem muita onda, pra pouco mar.
É quando o seu barco está nos melhores dias, na maior calmaria e você sente toda a paz do mundo, que alguém metido a onda vem tentar lhe prejudicar, lhe atrapalhar, virar o seu barco. Mas essas ondinhas tão ínfimas não conseguem ver a coisa mais linda, que você vê lá de cima do barco: o seu Bojador. Elas são também tão pequenininhas que não sabem que o seu barco não vira enquanto tiver o Timoneiro. Essas ondinhas vêm na intenção de que você as aumente, que as dê importância, sem saber que você nem consegue olhá-las, de tão insignificantes que são. Sem saber que não fazem mais o mínimo sacolejar no seu barco. Sem saber que quem lhe protege, noite e dia, é o Deus que, como diria Pessoa, espelhou o céu no mar.
A paz de Deus, que excede todo entendimento, também quebra as ondas no meio, ou em três. O importante é que quebra.

[Se fosse Sandro, a única coisa que ele ia dizer era: 'Mulher, chuta que é macumba!']