quinta-feira, 6 de maio de 2010

Nós primaveramos

Contaram-me, naqueles tempos, a história das flores. Da primavera que brotava na Europa cujo frio distanciador era a minha única memória. E, também naqueles dias, no calor do verão dos trópicos, congelava, a cada instante, a alma que havia dentro de mim. O ser, a vida, o pulso, nada mais era. Tudo se desfazia em gelo e em nada. O sofrimento que traz raiva e ódio não aquece. Pelo contrário, a angústia das nossas desavenças e do silêncio pesado em que insistíamos me faziam esquecer que havia o Sol. A bola de fogo se aproximava um pouco da Terra todos os anos, mas não de mim. Ou era eu que me afastava dela? Não sei. Era rapidamente que tudo acontecia. A velocidade da escuridão, pensava eu, era muito maior que a da luz. A escuridão alcançava todos; a luz pouquíssimos, e eu não era um deles. Queria ser. Queria poder enxergar o que os outros viam todos os dias e sentir o calor do Sol daquele que, supostamente, me havia criado. Queria acreditar nesse poder sobrenatural, mas não me era tão fácil quanto aos outros. Um dia o frio foi muito forte, e eu decidi mudar de lugar, tomei um caminho estreito, como se houvesse tristeza de menos em mim. Decidir mudar é das coisas mais perigosas que se pode fazer na vida, isso porque tirar um bloco desmorona muros inteiros - e os meus caíram todos. Então o Sol pode entrar. Ele estava lá sempre, até para mim, mas minhas travas não me permitiam vê-lo. A corda sobre a qual ando é, de fato, estreitíssima. Caio muitas vezes, mas o calor das molas sempre me empurra de volta e descongela o meu coração. Não existe mais frio. Junto com as flores coloridas cujas partes feias eu podo, deixando que renasçam ainda mais fortes, também primavero eu todo tempo.