quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Out of the blue dreams

Um dia entrei naquele navio com que sonhava desde pequena. Engraçado que sempre que me perguntavam qual era o meu sonho, eu dizia, sem hesitar, que era voar. Mas o sonho recorrente era outro, oposto: navegar. Dentro do navio havia fotos da minha família, dos meus queridos, do bebê que fui, do riso despreocupado que tive, do choro que hoje me parece tolo. Lembrar de uma dor passada traz mesmo um alívio esquisito. O interessante, contudo, é que o navio portava também fotos do meu futuro, em que crianças inéditas, mas que eu sabia que eram meus filhos, brincavam e sorriam um riso divertido, como as estrelas que riem do Petit Prince. Vi fotos do meu casamento, de viagens, e tudo era tão diferente dos meus planos que eu me impressionei bastante.
Em meio à abstração contemplativa da minha existência futura, aproximou-se de mim (e parecia ser a única pessoa do sonho) um rapaz alto, vestido de azul e calçado em umas botas esdrúxulas e pretas, chamando-me pelo nome. A princípio, assustei-me, porque não sabia em que oceano estava, e temia a simbologia do azul anglofônico, mas a fisionomia do rapaz era aquela de uma pipoca, não seria mau. Quando começou a falar - e era em inglês fluente - percebi que os mares não eram europeus, e senti-me mais leve, porque a força da simbologia era a do azul da música de Alceu Valença.
Convidou-me a entrar na cabine e explicou-me como dirigia a embarcação. Compreendi pouquíssimo do que me disse o homem, mas sua postura era tão certa e suas palavras tão fortes que eu não tive problema nenhum em dormir no navio. Pela primeira vez, viajei sem medo algum. Quando acordei, pela manhã, o homem estava pendurando mais um quadro na parede do que, aparentemente, era a minha vida, mas acima dos demais. Não era uma viagem, nem conquista, nem festa, nem filhos, nada distante. Era um retrato do mais ordinário cotidiano e, mesmo assim, tinha o maior destaque.
Antes que eu pudesse perguntar-lhe qualquer coisa, o homem puxou-me para uma valsa, e eu, que não danço bem (nem nos sonhos!), acompanhei, morrendo de rir. Ele olhou para mim com carinho e orgulho, como papai e mamãe me olham - sim, era o mesmo olhar! - e explicou que o retrato tinha destaque porque nele eu ria o riso de todo dia. Depois disse-me:
- Enquanto eu guiar o seu navio, navegar é preciso. Quando você olhar para dentro dele, desde que se lembre de mim, sentirá conforto. Eu sei lidar com as turbulências.
Junto com esta última frase, deu uma piscadela, explodiu, e eu acordei.
O déjà vu que eu tive hoje foi da foto que eu tinha visto, e a vida também se tornou precisa.