quarta-feira, 19 de setembro de 2012

De quando uma alma bonita parou meus pensamentos

Ela não me visitava há tempos. Há anos, talvez. Mesmo assim, era daquelas pessoas reais, cuja ausência parece não significar nada, porque, embora longe, eu sempre sentia sua presença, quando passava em sinais laranjas - o que ela sempre condenou em mim -, quando comia coxinhas ali na lanchonete da esquina, quando usava canetinhas coloridas, and so on. Ao contrário da maioria das pessoas, ela queria mesmo ser feliz, e, para ela, uma pessoa não poderia sê-lo se não fosse muito sincera consigo mesma e com os outros. Ela não era perfeita. Não mesmo. Tinha uns olhos grandes demais, e falava tanto que chegava a incomodar os menos acostumados. Eu falava de menos. Depois de muitos anos tentando se adaptar às pessoas e circunstâncias daqui, ela teve a coragem que quase ninguém tem de fugir com ele. Eu a admirei pela fuga e condenei-a desde o princípio pela companhia. Ele era um completo desajustado, não conseguiria lhe dar apoio, sequer a amava. Aliás, todos nós suspeitávamos de que ele só fosse capaz de amar a si próprio, porque era o que a experiência demonstrava, e eu não acreditava na mudança. Fui cética em relação a ele, e não me enganei. Mas, (in)felizmente, só o tempo é capaz de distinguir os caracteres das pessoas. Ela acreditou nele: em seu amor, em sua mudança, em seu coração. Quando ele a deixou, ela sentiu que, para continuar voando, teria que voltar à casa, para recolher-se, sofrer, chorar e trocar as penas. E eu pude conversar com a minha queridinha mais uma vez. Eis o que me disse: "Ele mudou, mudou mesmo... Todo mundo me dizia isso, elogiando o meu amor por ele. E eu fico pensando, minha amiga: será que o amei? A resposta teima em vir negativa. A verdade é que eu nunca, nunca, nunca o amei. Admirei-me de seus pensamentos livres, de seu ar de independência, de seus sentimentos complicados, de sua alma bonita. Não me olhe com essa cara. A alma dele é linda, flui. Mas hoje eu sei que ele não será feliz, nem em mil anos, porque precisa de tantas máscaras, minha amiga, para sobreviver. Não mudará, não será feliz, e carregará consigo a infelicidade, que se revelará cedo ou tarde, para todos com quem ele conviver. É que por trás de todos os disfarces, de todos os risos, de todo o sentimento intenso, o rostinho da linda alma dele chora sem parar. E chorará sempre. Ao redor dele, todos sorriem, mas lá tudo é máscara. Não são como nós, que temos orgulho das rugas do rosto e do coração." Ela teve, de novo, coragem. Mostrou ao nosso mundinho de nada que é possível tentar de novo. Ficou conosco mais uns tempos. Dias, talvez. Depois, voou mais uma vez. Agora, sozinha, mas com a certeza de que não havia outra opção: seria feliz. E é. Ele não conseguiu engatar novo voo e, contrariando mais uma vez minha querida, lhes digo, sinceramente, que de onde eu vejo, a alma dele é tão franzina quanto a sua força de ser.