quarta-feira, 21 de março de 2012

Café sem leite

Tão pequena, andava na rua saltitando. Não que quisesse, mas suas perninhas eram tão curtas, que a cada passo do pai, ela dava dois pulinhos, para acompanhá-lo. Além disso, não se concentrava muito nessa tarefa. Queria, muito mais que chegar à parada de ônibus, absorver tudo o que existia ao seu redor. As árvores, bem maiores que ela e, ainda mais incrível, maiores que seu pai, eram coisas curiosas para a pequena. As moças passando, e ela pensando: quando eu crescer, quero ser assim, assim não, loira, com cabelo grande. E ela pensando, ainda: será que a mamãe era assim? De repente, cai uma manga ao seu lado, e um menino pega a fruta, encarando a bonequinha insistentemente. O pai continua andando, e ela saltitando para acompanhá-lo, olhando para trás, para os olhos daquele pequeno. Mas não há tanto tempo para encarar o passado. Quando percebeu, já estava na parada, e o ônibus já tinha chegado, com o mesmo cobrador de todos os dias, de bigodes longos e sem sorriso, que deixava a menina divertir-se passando por debaixo da roleta. Em casa, no silêncio do quarto cor-de-rosa, a pequena tirava as sapatilhas, deixava de ser a bailarina da caminhada vespertina. Agarrava-se ao retrato da mãe e punha-se a imaginar que tipo de mulher seria. E o pai, espreitando-a pela porta entreaberta pensava consigo: "Será das fortes, bebê. Não há dúvidas."