sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Ciclar

Maria era uma mulher comum. Veja-se o indício do que quero dizer pelo seu próprio nome, que é o mais ordinário. Como há muitos Severinos, também há muitas Marias. É nome de santa, de cidade, de loja, nome da mãe, da prima, das tias. Mas esta Maria tinha uma história esquisita. Nascera em uma cidade em que a lei proibia nomes iguais. Sua mãe queria por-lhe o nome da santa, mas não podia – havia uma senhora, já quase morta, que se chamava Maria. Portanto, Maria ficou sem nome até a morte da velha, quando a menina já tinha uns sete anos de idade. Ao contrário de quem começa a escrever aprendendo o próprio nome, Maria escrevia o da velha, isso às escondidas, em um quartinho nos fundos que tinha três grades e dois ferrolhos na porta, para que ninguém denunciasse sua mãe.

Quando ouviram dizer que a velha morria, a cidade inteira se vestiu de preto, menos a mãe de Maria, que colocou a roupa mais branca que tinha compôs uma canção que entoava aos vinte ventos e dizia:

- Hoje nasceu, nasceu Maria.

Quando o padre escutou o canto, tratou de enviar a mulher para o hospício da cidade vizinha e contou, até o dia em que ao invés do altar ocupava o caixão, a história da doida que dizia que nascera quem morria, fazendo, sem saber, piada do que ele pregava nas enfadonhas celebrações de todos os domingos.

Antes de morrer, contudo, celebrou o casamento de Maria, que se casou com João. Aprendendo a crença materna, queria mesmo era casar-se com um José, mas o único que conhecia já não podia lhe dar filhos, porque era o seu próprio avô. Não tendo jeito, casou-se com João, a quem apelidara de Zé. Não compreendia por que perto dele seu coração acelerava, seu corpo esquentava, sua mente descansava e menos ainda entendia a vontade insana de querer estar perto dele o tempo todo. Maria, tendo encontrado o maior dos amores, não sabia o que era o amor – ninguém lhe contara. Tiveram dois filhos e nenhuma filha. Três netas e nenhum neto.

Mesmo depois de quarenta anos de casados, riam juntos todos os dias, às vezes só do vento. Houve dias em que suas gargalhadas foram tão estrondosas que os vizinhos correram à sua casa intentando separar uma briga, só para chegar lá e rir também.

Uma das netas de Maria, estando grávida, disse-lhe, numa sexta-feira quente do verão eterno, que achava bonito o nome de João e que queria colocá-lo no seu filho. Na mesma noite, quando estavam na cama abraçados, Maria sentiu parar de bater o coração que complementava o seu. Como que movido por uma engrenagem, o seu também foi desacelerando, e ela só conseguia pensar:

- Neta desgraçada!

Nasceram um novo João e uma nova Maria, e nunca mais houve verão nem riso. Mas houve vida, o que, no fim das contas, importa mais.