quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

The Mind's Rubber

Era apenas uma linha, um fio muito tênue riscado sobre uma mesa de madeira. E ainda assim, meus neurônios transformavam a realidade com tamanha velocidade que as sinapses se confundiam num misto de sofrimento e alívio. Nas primeiras horas do dia, a linha me parecia um borrão de lápis de olho, que sobrou da noite anterior, quando saímos, eu e todas as minhas fantasias, a vagar por aí. Mas, com o passar do tempo - que nem mesmo do risco se compadece - o traço preto foi-se parecendo mais com um grito de socorro. Parecia-se o início de uma letra A, que não pode ser terminada porque quem a escrevia foi arrastado violentamente e só conseguiu deixar aquele risco. O desespero. O desespero que não me vem na língua materna, nem no inglês tão familiar. O grito que, quando se parava para olhar com calma, rasgava como granizo: Aide-moi! E a tristeza que me assolava, ao ver, às três da tarde, a lágrima impressionista que formava aquele traço no pedaço de madeira que tinha a cor da minha pele. As pequenas gotas d'água que saíam da minha alma pelos meus olhos se intensificaram e se transformaram em soluços violentos e falta de ar. Lá pelas sete, percebi que ou deixava o teatro tão horrível que pode ser o choro, ou morria. Foi quando, não sei se já consciente do possível fim ou apenas pela perspectiva diferente, vi no traço um elástico, que poderia muito bem estar segurando o nariz de um palhaço, prendendo o cabelo de uma menininha linda ou servindo de brinquedo para mim. Então pus-me a imaginar trezentas utilidades para o elástico, algumas das quais me divertiram muito e, de repente, peguei-me dando gargalhadas sozinha. A este ponto, já eram dez da noite, e o sono, que sempre bateu à minha porta cedo, já empurrava minhas pálpebras para baixo e abria a minha boca em um bocejo horroroso. Antes de deitar-me, porém, percebi, como Vieira em seus estalos, que o risco preto era, na verdade, cinza. Com uma borracha vagabunda, apaguei-o da minha mesa em dois segundos. As memórias, porém, apagam-se aleatoriamente. Enquanto esta, tão boba, me persegue, há outras importantes que não me vêm nunca. Se eu tivesse a borracha da mente, emprestaria a você, ou talvez não, porque você é tudo o que viveu, e eu não suportaria que você deixasse de simplesmente ser.